Usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso portal, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao continuar navegando, você concorda com este monitoramento. Leia mais na nossa Política de Privacidade.

05 de fevereiro de 2025

Se você pudesse escolher um privilégio branco, o que você escolheria?


Por Kathrein Silva Publicado 14/01/2025
Ouvir: 00:00
Clic – 2025-01-14T081913.149
Foto: arquivo pessoal

Leia a coluna de Bianca Benemann, escrivã da Polícia Civil e apresentadora do programa Elas por Elas, transmitido toda quarta-feira através da Clic Rádio.

Pergunta feita a minha amiga Candida Fernanda da Rosa e que eu jamais saberia responder, porque a cor da minha pele me coloca em um Brasil diverso, bem mais agradável do que o vivido por pretos e pretas. A todos o convite para luta antirracista e a resposta a esse questionamento quem dará é quem tem lugar de fala. A palavra tá contigo, Candida!

📱 Clique para receber notícias de graça pelo WhatsApp.

Dia desses, um amigo compartilhou um vídeo no qual era feita a seguinte pergunta a um grupo de pessoas negras: “Se você pudesse escolher um privilégio branco, o que você escolheria?” Trocando em miúdos, caro leitor, entenda privilégio branco como algo que pessoas brancas fazem diariamente, que é tão natural que elas nem o entendem como privilégio. Aí vai um exemplo simplório: um homem que tire a sua camiseta durante a sua corrida no parque, parece normal, não é? Pergunto: uma mulher poderia ter a mesma liberdade sem causar o furor das pessoas ao seu redor? Buenas, a essas alturas vocês já pegaram a visão de onde quero chegar.

Voltando ao meu amigo, respondi algo de forma desleixada. Porém, a tal pergunta alugou um triplex na minha cabeça e virou questão de honra respondê-la. Para o meu amigo David? Definitivamente, não, a bendita resposta era para mim. Confesso que facilitaria um bocado se fosse tipo o Aladim e o gênio da lâmpada, três desejos, mas neste caso era um, valha-me Deus, não posso errar. Naquela tarde, enquanto lavava a louça do almoço, bingo, já sei. É isso, sem dúvidas é isso. Preciso ser bem específica para que o pedido venha certinho, “eu gostaria de ter as mesmas oportunidades de um homem branco, hétero, cristão, classe média alta”, sabe aqueles bem-sucedidos? Que aparecem nos filmes e comerciais de TV como os heróis, o exemplar, o tipo big boss mesmo, que muita gente admira e até querem ser ou casar com um daqueles? Os que sobem nos palanques e todo mundo silencia para ouvi-lo, e acreditam nele sem questionar; os que não só fazem as leis, mas também são responsáveis pela sua execução; vou melhorar, os que ditam o conceito do que é certo ou errado. Aqueles que fazem do seu Deus a única divindade possível e, de quebra, o mesmo Deus é a sua imagem e semelhança; o tipo de homem que pode determinar o que é feio ou belo, o que é bom ou mal, o aceitável e o inaceitável?

Psiu, aqui da base da pirâmide social quem vos fala é uma mulher preta, não, não a morena das canções e poemas, mas uma Negona, cujo único pseudo-elogio possível e, ao mesmo tempo, encarcerador é o de guerreira, sou uma mulher preta retinta, de origem periférica, combatente de ofício e na militância contra o racismo. Falando nisso, é exaustivo ser uma ativista viu, ainda mais num Estado em que os afrodescendentes somam um pouco mais de 20% da população gaúcha; olha, ter as vantagens sociais e profissionais de um homem branco, para não ser toda hora tachada de mimizenta frente as injustiças e as dores que nos assolam desde que fomos sequestrados longínquo do continente africano, confesso que viria em boa hora. Já pensou ter a liberdade de mexer na minha própria bolsa dentro de uma loja sem virar uma suspeita? E se a maioria dos médicos, dos professores universitários, dos magistrados e até dos técnicos de qualquer esporte fossem semelhantes aos meus familiares, assim como é o pessoal da limpeza urbana (garis)?

Participar de festas em que os meus iguais estejam desfrutando e não só servindo. Olha que sonho louco, parar o Brasil, assim como fez a atriz Samara Felippo e a família Gagliasso por que seus filhos negros sofreram racismo, tiveram câmeras e microfones para falar, o país parou e os ouviu, lamentou, acho até que teve gente que chorou. Do outro lado, temos uma multidão de mães pretas, com um grito secular de “parem de matar os nossos filhos”, mas segue preso na garganta, porque o nosso pranto não comove ninguém. Já cogitou a ideia da alta cúpula das polícias, das grandes empresas, das casas legislativas, do judiciário terem um percentual que espelhe o atual censo demográfico do IBGE? Os cargos estariam ocupados por 56% de pretos e pardos. A boniteza, a pureza, a inteligência é típico do clã deles, nós com muita sorte seremos as exóticas, as corajosas.

Espaços acessados tipicamente por homens brancos quando calha de ter a tal representatividade, é uma solidão, pois, em geral, não tem duas de nós, somos únicas. Aqui na base da pirâmide, ninguém é desprovido de inteligência ou de falta de vontade, bem pelo contrário, o que falta mesmo é oportunidade. As mulheres negras são vítimas de um racismo que atrofia os sonhos, tenho chamado esse lugar de “3 vezes o outro”, isso porque não somos homens, nem brancas e nem chefes. Com as mesmas oportunidades de um homem branco, uma mulher preta seria a cara da justiça brasileira, melhor, arrisco dizer de que a representação da Divina Providência seria a cara de uma mãe preta.

Mas isso é uma outra história.