Usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nosso portal, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao continuar navegando, você concorda com este monitoramento. Leia mais na nossa Política de Privacidade.

24 de setembro de 2024

Estudo aponta que novo Canal na Lagoa dos Patos seria caro e pouco suficiente

Trabalho foi elaborado por UFF e UFRGS e premiado em congressos


Por Larissa Rodrigues Publicado 23/09/2024
Ouvir: 00:00
Agosto (2)
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A proposta de abrir um novo canal na Lagoa dos Patos tem sido considerada como uma possível solução para prevenir futuras enchentes, como a que ocorreu no Rio Grande do Sul neste ano. No entanto, desde seu surgimento, a ideia tem enfrentado críticas de pesquisadores e ambientalistas. Mais de três meses após o pico das cheias, um estudo premiado reforçou que essa proposta é cara, causaria impactos ambientais significativos e afetaria as comunidades locais.

O estudo foi realizado pelo Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense (UFF), em colaboração com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS). Intitulado “Análise de Abertura de Novo Canal de Maré na Lagoa dos Patos para Atenuação de Cheias no Rio Guaíba, RS”, o trabalho recebeu reconhecimento nos congressos II Simpósio Nacional de Mecânica dos Fluidos e Hidráulica (II FLUHIDROS) e XVI Encontro Nacional de Engenharia de Sedimentos (XVI ENES), organizados pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRHidro).

Rodrigo Amado, que lidera o grupo responsável pelo estudo, comentou em entrevista à Agência Brasil que a proposta foi tratada como uma “solução mágica” entre os tomadores de decisão na época. “Seria um canal de grande extensão, com pelo menos 20 quilômetros de comprimento e bastante largo, mas não havia nenhum estudo que respaldasse a ideia, então ninguém tinha certeza se realmente funcionaria”, afirmou.

“Acho que está bem vivo na mente de todo mundo as enchentes que ocorreram em Porto Alegre e no estado do Rio Grande do Sul em maio. Foi o maior evento desse tipo registrado na história”, destaca Amado. De acordo com dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em julho, ao menos 876,2 mil pessoas e 420,1 mil domicílios foram atingidos diretamente pelas enchentes.

As chuvas começaram a se intensificar em 26 de abril, e logo, nos dias 5 e 6 de maio, o rio Guaíba atingiu seu nível mais alto, alcançando 5,33 metros. Anteriormente, o recorde era de 4,76 metros, registrado durante a cheia histórica de 1941.

De acordo com o professor, o principal argumento contra a construção do canal são os impactos ambientais. “A Lagoa dos Patos possui água doce na parte norte e água salgada na parte sul. A criação do canal resultaria na salinização da água da lagoa, o que representa um impacto ambiental significativo”, explica. Além das consequências para o ecossistema, o pesquisador também destaca os efeitos na economia local, uma vez que a água da lagoa é amplamente utilizada para irrigar as plantações de arroz nas redondezas.

No entanto, Amado ressalta uma questão ainda mais crucial: “se o canal for construído, ele realmente funcionará?”. Essa é a questão central abordada pelo estudo, que conclui que o canal não seria a melhor alternativa. “A obra seria extremamente cara e complexa, pois se trata de um canal muito extenso. Seriam necessárias proteções na entrada para evitar o assoreamento causado pelas ondas do mar, além da construção de comportas”, argumenta.

Para realizar a pesquisa, que também contou com a colaboração do professor André Belém, do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da UFF, foi utilizada modelagem computacional para simular o corpo d’água. O programa incorporou dados do rio Guaíba, como batimetria, contornos, margens, vazão, maré e vento, o que atestou a confiabilidade do modelo. “Comparamos os níveis de água medidos no rio Guaíba, em Porto Alegre, e na desembocadura da Lagoa dos Patos. Como os níveis simulados coincidiram com os medidos na capital, isso indicou que os resultados do modelo eram consistentes”, explicou.

A partir da modelagem e da comparação dos dados observados, a conclusão do estudo foi que a obra seria extremamente complexa devido à extensão do canal e suas implicações ambientais, oferecendo um ganho muito limitado. “Os resultados mostraram que, se o canal fosse aberto, apenas 35 centímetros do nível da água seriam reduzidos, lembrando que o nível já superou os cinco metros”, afirmou Belém.

Outro cenário simulado na pesquisa foi a dragagem da área entre o Guaíba e a Lagoa dos Patos. No entanto, o professor destacou que o resultado seria semelhante ao da abertura do canal. “Embora não resolvesse o problema, seria uma solução mais econômica do que a construção do canal”, avaliou.

FALTA DE MANUTENÇÃO:

Para Amado, a melhor abordagem para enfrentar as inundações é investir no sistema já existente de proteção contra enchentes em Porto Alegre, uma posição apoiada por especialistas durante as tempestades. “O que propomos como solução, e que é amplamente aceito entre os profissionais de hidráulica e hidrologia, é que Porto Alegre conta com um sistema robusto de proteção contra alagamentos, mas o problema é que ele não tem sido mantido adequadamente”, enfatizou.

“O sistema foi desenvolvido após a cheia de 1941, que foi a maior da história do Rio Grande do Sul até então. No entanto, devido à falta de manutenção ao longo das décadas, as comportas foram fechadas, mas as borrachas de vedação não estavam funcionando. Isso dificultou a abertura para escoar a água da cidade, e as bombas das estações de bombeamento também não acionaram”, relembrou o professor. “A falta de manutenção foi crucial, pois como não ocorreram cheias semelhantes, o sistema não foi ativado. Se tivesse sido utilizado, pesquisadores locais afirmam que poderia ter resolvido o problema, evitando muitos transtornos”, concluiu Amado.

O aluno da UFF Daniel Maia, que participou da modelagem computacional do projeto ao lado da aluna de mestrado Roberta Reis, disse que colaborar com o estudo foi uma experiência única.

“Participar desse projeto foi uma experiência muito diferente, porque modelar um corpo hídrico era uma coisa que eu ainda não tinha feito, ainda mais um corpo hídrico tão grande e com uma cheia histórica tão significativa. Foi um ganho de conhecimento muito grande para mim”, comentou à Agência Brasil. “Em vez de fazer uma projeção e vender esse recurso, conseguimos atestar a partir do modelo a viabilidade do projeto”, complementou Reis.

“Conseguir fornecer informação para a sociedade de forma mais fundamentada é o que achamos mais interessante desse trabalho”, resume Amado. “Fizemos como iniciativa própria, por inquietação e pela desinformação que estava circulando. Agora temos planos de continuar essa pesquisa e enviar como proposta para chamadas públicas de financiamento científico”.